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Fé e caridade: retrato do tempo e da história do São Pedro

Sete filhos, XX netos e XX bisnetos. Oitenta e sete anos de idade, quase quarenta na Igreja Cristã do Brasil. Dionízia Vicentina é poetisa, cristã e moradora do bairro São Pedro há tanto tempo que nem se lembra mais. Viu as casas se aglomerarem ao seu redor, a população crescer, e encontra felicidade nas graças divinas que tornaram a vizinhança mais amigável e sua vida mais feliz nos últimos anos.



Chegamos na rua da casa de Dionízia e ela está sentada na calçada. Nos recebe com um poema recitado diante dos vizinhos e da família. Na sala de sua casa simples e enfeitada, ela nos oferece o sofá e, risonha, avisa que não penteou os cabelos brancos e cobertos por tecido para a foto.


Qual seu nome inteiro? – eu pergunto.


– Meu nome é bonitinho. Eu chamo "papa goiaba", cumezin dos passarinhos - ela recita.


Nascida em Piranga, a recitante Dionízia não teve oportunidade de estudar. Por isso, não sabe ler nem escrever. No banco, comprova quem é por meio das digitais. “Pouco eu ia na escola. Vivia mais trabalhando, pro mato, capinando”. Poetisa oral, contudo, Dionízia encanta com seus versos, declamados constantemente e guardados um por um na sua memória.

Quando eu era pequenina

Eu jogava biboquê

Mas o tempo foi passando

E eu cresci não sei pra quê

Ai que saudade do colégio

Eu fazia o que eu queria e nada me acontecia

Hoje é tudo diferente

Eu não posso fazer nada

Porque vivo no batente...

Quando jovem, casou-se pela primeira vez e se mudou para Lafaiete, a 76km de Mariana. Lá nasceram seus sete filhos, dos quais quatro estão vivos. Depois, seu então esposo começou a trabalhar em Mariana, e foi quando ela chegou à cidade por meio da ferrovia que ainda funcionava ativamente e pela qual ela calcula a sua trajetória. “Eu desci aqui pra baixo (Mariana) e não sabia se ia viver ou se ia morrer.” Com a glória de Deus, porém, Dionízia superou todas as dificuldades que encontrou em sua mudança “Sofri muito, mas tô aí, trabalhei demais”. Morou no Matador, no Morro Santana e no Catete. Por fim, estabeleceu-se no São Pedro, onde hoje encontra aconchego pelo qual é grata a Deus.

Antes de se aposentar, além de cortar lenha e capim para vender, Dionízia lavava roupa para garantir uma renda fixa. Ao chegar em casa, tinha tempo apenas para um banho antes de recomeçar o “batente”. No local onde trabalhava, uma outra empregada competia pelo serviço, mas Dionízia nunca se intimidou nem deu o braço a torcer: continuou a fazer o seu trabalho com dedicação e com o que chama de “ajuda do Anjo da Guarda”.

Sua jornada cristã começou na década de 1970, caminho que seguiu também seu segundo marido. Viúva dele, Dionízia não sabe de cor há quanto tempo o perdeu, mas se lembra com saudade da cerimônia de casamento e do tempo que passaram juntos. Também não se lembra da data de conversão. “Antes (de ser crente) eu ia para o baile e para o centro, para o baile e para o centro, e achava que ia fazer minha vida assim. Eu não sabia que tinha um Deus do meu lado”. Ela pede que sua bisneta busque sua bíblia no quarto, dentro da qual há um papel com a informação da sua data de batismo na Igreja. Depois de se converter, em 19 de dezembro de 1976, Dionízia encontrou novos rumos e perspectivas. A sua crença a afasta dos medos e a faz feliz. Sua resposta para quem lhe pede conselho é: “Anda pouco e trabalha mais, porque a gente não sabe o dia de amanhã”. No caso de Dionízia, o dia de amanhã trouxe esperança. Sua vida mudou muito depois que se converteu. Ela morava em uma casa de pau a pique e ainda precisava usar o dinheiro da alimentação para pagar o aluguel. Hoje, “graças a Deus”, as pessoas podem ir à sua casa comer, beber e dormir.

















Dionízia é conhecida no bairro e também conhece todos. As pessoas passam por ela e pedem sua benção. Já ajudou muitas pessoas no bairro, embora nem todas tenham demonstrado a gratidão que ela esperava. Quando aflita pelos problemas, ela se encontra intimamente com Deus e clama pela sua ajuda. Certa vez chegou a ouvir uma voz ao seu lado, enquanto estava sozinha na sua varanda, avisando sobre a providência divina que receberia. Além disso, cobre a cabeça com seu véu todas as noites antes de dormir e ora por aqueles que conhece e que ama. “Se eu tiver um pensamento ruim, peço pra Deus entrar no meu coração. Não quero ver ninguém sofrendo”. Ela fica satisfeita com sua família e tem esperança de que seus bisnetos terão muitas oportunidades que ela não teve. Ora para que sigam no bom caminho e pede para que Jesus jogue fora tudo o que for ruim.

Dionízia adora. Adora a Deus, principalmente. E adora seus vizinhos, sua família e seus gatos. São tantos que ela perde a conta quando começa a procurar por eles. “São todos viventes, né?”. Ela considera a caridade responsável por todas as bençãos divinas que recebe e acredita que o São Pedro, bairro que criou todos os seus netos e bisnetos, melhorou muito e está populado por pessoas muito boas. Ela não tem desejos difíceis, não possui ganâncias. “Só de ter a graça de Deus tá bom, né?”. Em sua casa, rodeada por gatos e familiares, Dionízia Vicentina já é feliz. De origem humilde, analfabeta e persistente, configurou-se uma personagem conhecida e admirada no bairro e um retrato humano da história de Mariana.



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